Uma abordagem conceitual[1]
Não existe uma única definição do termo ideologia. O conceito de ideologia pode assumir formas variadas, seja como um sistema de crenças políticas ou visão de mundo de um determinado grupo social, seja como as ideias da classe dominante que propagam um falseamento da realidade ou até mesmo um conjunto sistemático de ideias políticas que lida com teorias que assumem a forma de envolvimento e comprometimento político. Este termo também pode estar associado a ações políticas, econômicas e sociais e é comumente tomada por sentido de mascaramento da realidade social. “O primeiro problema enfrentado por qualquer discussão sobre a natureza da ideologia é que não existe uma definição estabelecida ou acordada para o termo [...] Conforme disse David McLellan (1995), ‘ideologia é o conceito mais impreciso das ciências sociais’” (HEYWOOD, 2010, p. 18).
Deste modo sentimos a necessidade de aprofundarmos o sentido da palavra para compreendermos suas significações em meio aos sujeitos sociais que utilizam com mais frequência essa terminologia e inclusive proceder a uma análise dos Partidos Políticos. Que como se sabe possuem em suas bases a ideologia política, pois cada partido possui visões diversificadas da realidade social e visa à transformação da sociedade de acordo com seus ideais e concepções de mundo, pelo menos teoricamente falando.
Diante dos aportes teóricos estudados o termo ideologia tem em seu bojo diferentes interpretações de pensadores que a concebem mediante a realidade em que se inserem. Em muitos dos seus diversos sentidos se percebe a definição do termo relacionada ao sentido negativo, associada ao despojamento de crenças.
Essa percepção se dá pelo motivo da palavra estar presente em inúmeros discursos, muitos deles inflamados relacionados a campanhas eleitorais de candidatos a algum cargo político. A descrença parte do entendimento de que a ideologia tem o caráter mascarador, e preserva o “status quo”, ou seja, a permanência de um estado ao qual não há interferência da classe dos desapropriados dos meios de produção, ou seja, dos trabalhadores. Isso se dá para que a classe dominante continue no poder, na direção da sociedade.
Esse sentido de mascarar a realidade (notadamente um conceito marxista), apresentando apenas a aparência e escondendo a essência é um dos sentidos atribuído à ideologia. Nesse aspecto a ideologia é entendida como uma ferramenta de controle social. O sentido negativo de Ideologia, de mascaramento e falseamento do real, surgiu sem dúvida com os textos de Marx, e que Engels mais tarde chamou de “falsa consciência”. Nessa concepção a classe dominante distorce a forma de ver as relações de opressão, não se reconhecendo como opressor e desejando fazer com que a classe dominada se conforme com as condições de vida existentes. A ideologia da classe dominante oculta também as contradições em que o capitalismo se baseia, escondendo do proletariado sua própria exploração.
As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, a força intelectual dominante. A classe que tem os meios de produção material à sua disposição tem, ao mesmo tempo, controle sobre os meios de produção mental, de modo que, em geral, as ideias daqueles que carecem dos meios de produção mental estão sujeitos a ela (MARX; ENGELS apud HEYWOOD, 2010, p. 19).
As visões ideológicas de mundo buscam manter ou transformar o sistema social, econômico, político e cultural existente relacionada a um indivíduo, grupo, ou regime. Em se tratando da política partidária percebe-se que os cidadãos encontram-se muitas vezes descrentes que haja de fato uma mudança no sistema societário que possa vir a contemplar a satisfação de suas necessidades sociais, amenizando ou erradicando as refrações da questão social.
Assim os cidadãos intuitivamente associam discursos e ideais de Partidos Políticos a alguns integrantes políticos que não possui o compromisso com a sociedade e sim com seus próprios interesses. São aqueles políticos que fazem a chamada politicagem.
Percebe-se também que os discursos e promessas feitas por candidatos levam esperança a população, levam a acreditarem em mudanças no modelo de sociedade que vivemos esse modelo desigual e espoliativo ao qual estamos inseridos. Nesse contexto se tem como exemplo o caso das eleições partidárias no Brasil, onde através do voto direto, se elege representantes integrante de partidos políticos para que este(s) possa(m) promover ações contemplativas por meio das Políticas Públicas para a qualidade de vida dos eleitores em geral para a população brasileira.
Porém já é comum acontecer casos de que políticos ao chegarem ao poder, ou seja, na direção da sociedade, deixarem de cumprir com promessas feitas em época de campanhas eleitorais, e dificilmente continuam leais às ideias que norteavam seus discursos de igualdade, justiça e equidade.
Mas o conceito de ideologia também possui um sentido positivo e não apenas o sentido de mascaramento do real tão presente no pensamento marxista. De acordo com Bobbio
A ideologia no sentido positivo designa o “genus, ou espécie” diversamente definida dos sistemas de crenças políticas: um conjunto de ideias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos (1995, p. 52).
Ou seja, entende-se que em cada cultura, e em cada sociedade “complexa” ou menos “complexa” há a presença da ideologia em suas bases. Ela possui um papel fundamental: o de nortear, orientar as tomadas de decisões sociais, econômicas, culturais.
Como visão de mundo a ideologia pode desempenhar um papel de sustentação da estrutura de poder dominante retratando-a como justa, correta e natural ou desafiar estas mesmas estruturas, destacar suas injustiças e apontar para a necessidade de mudanças das estruturas de poder. A ideologia como visão de mundo, aos nos fornecer “um conjunto de suposições e pressupostos sobre como a sociedade funciona e deveria funcionar, elas acabam estruturando nosso pensamento e o modo como agimos” (HEYWOOD, 2010, p. 28). Neste caso pode haver tantas ideologias quantos forem os princípios vistos pelos indivíduos como necessários para organizar a ordem social e política de uma sociedade.
Também as Ideologia Política contém uma determinada visão de como deve ser organizada a sociedade e qual deve ser a relação entre a sociedade e Estado, o que está permeado pelos mais variados valores, crenças e princípios e vícios. Tais ideologias estão sempre ligadas a grupos sociais, movimentos e partidos políticos, e cada proposta e projetos possuem um ideal. O campo das ideologias políticas é amplo e propício a debates, questionamentos, ideais, atuações e ações. Nesse campo como indica Sell (2006) há um intenso desenvolvimento de atividades. Atividades que podem ser desenvolvidas por diversos sujeitos sociais que possui determinados valores e princípios que nortearão tais ações. Quando essas ações e ideais são compartilhados por outros cidadãos, grupos ou organizações sociais, voltada para a ação prática na sociedade, estes valores e princípios são chamados de “Ideologia Política” e dessa forma podemos dizer que a ideologia está presente no cotidiano das pessoas, muitas vezes de forma implícita ou explícita.
Seguindo a mesma linha de raciocínio Andrew Heywood (2010) afirma que todos nós pensamos politicamente. Tendo consciência ou não, as pessoas usam ideias e conceitos políticos sempre que expressam opiniões. Assim percebemos em nosso cotidiano a presença de inúmeros termos que são carregados de significância histórica e ideológica. Dentre as palavras mais usadas está: “liberdade”, “igualdade”, “justiça” e “direitos”. Assim como o uso das palavras: “conservador”, liberal”, “socialista”, “comunista” e “fascista”. Onde se utiliza para descrever o próprio ponto de vista seus ideais e valores de acordo com a concepção de cada cidadão e sociedade. E procurando relacionar o conceito de ideologia envolvendo pensamento a ação, teoria e prática política, Heywood define ideologia de modo que ela possa ter como características: a) uma “explicação da ordem vigente” associada a uma “visão de mundo”; b) ter implícito a ideia de uma “sociedade ideal”, “desejável”; c) explicar como chegar a este modelo, como promover a mudança (2010,p. 25).
Vemos assim como não é fácil definir com precisão o que é “ideologia”. Sell (2006) reafirma a concepção que a palavra “ideologia” tem o significado relativo, ou seja, vai variar de acordo com a acepção de cada autor. Ele também sinaliza que seu conceito é comumente usado em ciências sociais e que é uma tarefa difícil que envolve diálogo com as mais diversas correntes teóricas até porque para definir o que é “ideologia” necessita-se de um estudo aprofundado das mais variadas correntes. Assim como o pensamento de Slavoj Zizek.
“Ideologia” pode designar qualquer coisa, desde uma atitude contemplativa que desconhece sua dependência em relação á realidade social, até um conjunto de crenças voltado para a ação; desde o meio essencial em que os indivíduos vivenciam suas relações com uma estrutura social até as ideias falsas que legitimam um poder político dominante (1996, p.9).
Neste sentido Zizek deixa claro que a ideologia para muitos autores pode ter diversos significado e que pode ter sentidos diferentes de acordo com o contexto histórico-político social.
Sentido Histórico
Recorrendo ao sentido histórico do termo “ideologia”, buscamos seu conceito mediante os aportes de Andre Heywood e Marilena Chauí, segundo os quais este conceito surge na época da Revolução Francesa e é utilizada pela primeira fez por Destutt de Tracy, seja em público ou em sua obra Eléments d`Ideologie (Elementos de Ideologia), utilizando termo no sentido de uma “ciência das ideias” ou “ciência da gênese das ideias “tratando-as como fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo humano, enquanto organismo vivo, com o meio ambiente” (CHAUÍ, 1991, p. 23), acreditando ser possível descobrir a origem das ideias “com um entusiasmo racionalista típico do iluminismo” (HEYWOOD, 2010, p. 19). Nesta obra Destutt de Tracy, juntamente com o médico Cabanis, De Gérando e Volney, acreditava ser possível elaborar “uma teoria sobre as faculdades sensíveis, responsáveis pela formação de todas as nossas ideias: querer (vontade), julgar (razão), sentir (percepção), e recordar (memória)” (CHAUÍ, 1991, p. 23) e sugerindo que a ideologia seria reconhecida como a rainha das ciências, “uma vez que todas as formas de investigação se baseiam em ideias” (HEYWOOD, 2010, p. 19).
Os teóricos franceses segundo a história eram antiteólogicos, antimonárquicos e antimetafísicos, e também pertenciam ao partido liberal e esperavam que o progresso das ciências experimentais, baseadas exclusivamente na observação, na análise e síntese dos dados observados, pudesse levar a uma nova pedagogia e a uma nova moral. Eles também foram partidários de Napoleão, eram integrantes de um grupo e apoiaram o golpe do 18 Brumário. Julgavam que Napoleão era um liberal continuador dos ideais da Revolução Francesa. Assim,
O sentido pejorativo dos termos “ideologia” e “ideólogos” vieram de uma declaração de Napoleão que, num discurso ao conselho de Estado em 1812, declarou: “Todas as desgraças que afligem a França devem ser atribuídas à ideologia” (CHAUÍ, 1991, p, 23).
Esse sentido negativo disseminou-se pelo mundo e ganhou muitos adeptos, teóricos que após estudo do termo em suas determinadas épocas perceberam como, por que, para quê e por quem essas palavras eram propagadas.
Nas contribuições de Karl Marx este termo conserva o significado napoleônico, ou seja, o ideólogo vem a ser considerado aquele que inverte as relações entre as ideias e o real. Para Marx o sentido negativo atribuído à ideologia significa um conjunto de falsas representações que tem como objetivo primordial difundir os interesses das classes dominantes. Difunde uma “falsa consciência”, apresenta apenas a aparência dos fenômenos sociais omitindo assim a sua real forma.
Chauí (1991) cita a ideologia Alemã, como exemplo, onde Karl Marx expõe de modo muito breve a passagem das formas de propriedade ou da divisão social do trabalho na sociedade, cujas transformações constituem o solo real da história real.
É a partir dessas considerações que podemos entender como para Marx e Engels a ideologia surge no instante em que a divisão social do trabalho separa trabalho material ou manual de trabalho intelectual. Karl Marx é inflexível ao afirmar que as ideologias são justamente as ideias que as classes proprietárias dos meios de produção difundem para legitimar e perpetuar sua dominação. Ou seja, ideologia é uma ferramenta de alienação. Que os proprietários se utilizam para conter ou controlar seus subordinados de forma pacífica.
Na tradição marxista é costume se pensar o conceito de ideologia em duas interpretações bem difundidas: a instrumentalista e a sistêmica, onde para a primeira visão têm-se as ideologias como visões de mundo e representações da realidade elaboradas para legitimar a classe dominante e mascarar os reais fundamentos da sociedade. Mascarar a verdadeira estrutura ao qual a sociedade se assenta.
Nessa visão negativa e fatalista do termo, Marx faz uma crítica após a análise da sociedade e o modo de produção, e verifica um dos pontos cruciais e mantenedor desse estado de passividade do proletariado, que é a não consciência de classe. Assim nessas concepções a ideologia tem com objetivo apaziguar, naturalizar e alienar a consciência dos trabalhadores.
Na visão sistêmica a ideologia é entendida como “ilusão socialmente necessária”. O que vem a ser fruto do próprio sistema social que não aparece de forma transparente aos olhos dos atores sociais. Em consenso entende-se que a ideologia é necessária para a concepção de construção ou transformação societal, e que cada cidadão possui uma ideologia, um ideal perante a sociedade, ao qual vive.
Posteriormente o conceito de ideologia perdeu esse caráter meramente negativo a passou a tomar outros significados. Com Lênin a ideologia começou a ser atribuída não só à classe dominante, mas a todas as classes, significando as ideias características de determinada classe social e, nesse caso, é possível falar de um “ideologia socialista” ou “ideologia marxista”. No século XX o sociólogo alemão Karl Mannheim descreveu as ideologias “como sistemas de pensamentos que servem para defender determinada ordem social e que expressam em sentido amplo os interesses de seu grupo dominante ou governante” (apud HEYWOOD, 2010, p. 22).
Atualmente a palavra “ideologia” adquiriu uma definição bem mais ampla, não sendo nem boa nem má, nem verdadeira nem falsa, nem libertária nem opressora, mas podendo assumir qualquer uma dessas características é tem sido bastante pronunciada, principalmente por grupos sociais, Partidos Políticos, indivíduos e organizações sociais inseridos direta ou indiretamente na política.
Referências Bibliográficas
BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: UnB, 1995.
CHAUÍ, Marilena: O que é ideologia. 34. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.
HEYWOOD, Andrew. Ideologias Políticas: do liberalismo ao fascismo. São Paulo: Ática, 2010. Vol. I.
SELL, Carlos Eduardo. Introdução à sociologia política: política e sociedade na modernidade tardia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
ZIZEK, Slavoj. Um mapa da ideologia. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro. 1996.
[1] Este texto foi escrito em colaboração tomando como base o Projeto de Pesquisa realizado em 2013 (PIBIC/UFAM/FAPEAM) desenvolvido pela acadêmica Juliana Cunha Mendonça que teve como título: Identificação ideológica, atuações e coligações partidárias dos partidos políticos na cidade de Parintins.