Os Movimentos sociais são as expressões da organização da sociedade civil. Agem de forma coletiva como resistência à exclusão e luta pela inclusão social. É nas ações destes que se apresentam as demandas sociais que determinada classe social enfrenta, se materializando em atividades de manifestações como ocupações e passeatas em ruas provocando uma mobilização social, despertando uma sensibilização na consciência dos demais indivíduos como diz Maria Glória Gohn: “ao realizar essas ações, projetam em seus participantes sentimentos de pertencimento social. Aqueles que eram excluídos passam a se sentir incluídos em algum tipo de ação de um grupo ativo” (2011, p. 336). Para André Frank e Marta Fuentes os Movimentos Sociais se baseiam “num sentimento de moralidade e (in)justiça e num poder social baseado na mobilização social contra as privações (exclusões) e pela sobrevivência e identidade” (1989, p. 19)[1]. É com uma vigorosa capacidade de mobilização que “[...] os sindicatos, as ONGs, e os diversos movimentos de luta conquistaram importantes direitos de cidadania ao longo da história brasileira” (LAMBERTUCCI, 2009, p. 82).
É preciso fazer uma distinção entre movimentos sociais e protestos sociais. O simples fato de ir às ruas protestar contra a corrupção, por exemplo, não caracteriza um movimento social. Uma ação esporádica, ainda que mobilize um grande número de manifestantes, pode ter em seu coletivo representantes de movimentos sociais e populares mas não caracterizam um movimento social como tal. Tais protestos e mobilização podem ser frutos da articulação de atores de movimentos sociais, ONG’s, tanto quanto podem incluir cidadãos comuns que não estão necessariamente ligados a movimentos organizados como tais.
Alguns exemplos ilustram essa forma de organização, incluindo vários setores de participantes: a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, de Goiânia a Brasília (maio de 2005), foi organizada por articulações de base como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Grito dos Excluídos e o próprio MST e por outras, transnacionais, como a Via Campesina. Também se realizaram articulações com universidades, comunidades, igrejas, através do encaminhamento de debates prévios à marcha. A Parada do Orgulho Gay tem aumentado expressivamente a cada ano, desde seu início em 1995 no Rio de Janeiro, fortalecendo-se através de redes nacionais, como a ABGLT, de grupos locais e simpatizantes. A Marcha da Reforma Urbana, em Brasília (outubro de 2005), resultou não só da articulação de organizações de base urbana (Sem Teto e outras), mas também de uma integração mais ampla com a Plataforma Brasileira de Ação Global contra a Pobreza. A Marcha Mundial das Mulheres tem sido integrada por organizações civis de todos os continentes (SCHERER-WARREN, 2006, p. 112).
Para haver esses movimentos sociais os motivos são os mais diversos, em geral são frutos da insatisfação popular frente a má gestão dos líderes políticos então eleitos pelo povo, que reivindicam ações efetivas para os quais foram eleitos, em áreas como Saúde, Educação, Meio Ambiente, habitação, entre outras demandas não atendidas, fomentando indignação no povo e levando este a realizar movimentos e manifestações populares.
Maria Glória Gohn (2014) define as características de um movimento social: possui liderança, base, demanda, opositores e antagonistas, conflitos sociais, um projeto sociopolítico, entre outros. Ilse Scherer-Warren (2006) concorda com Maria Glória ao definir em sentido amplo os movimentos sociais em torno de uma identificação de sujeitos coletivos que possui adversários e opositores em torno de um projeto social. Veja-se por exemplo o Movimento Negro e Movimento Indígena, que une-se pela força de uma identidade étnica (negra ou índia) e combatem o adversário do colonialismo, racismo e expropriação, tendo como projeto de luta o reconhecimento de sua identidade, suas tradições, valores e até mesmo de manutenção de um território que vive sob constante ameaça de invasão (os quilombos no caso dos negros e a luta pela demarcação de terras indígenas).
Delson Ferreira (2003) define os movimentos sociais a partir das ações de grupos organizados que objetivam determinados fins, ou seja, os movimentos sociais se definem por uma ação coletiva de um grupo organizado e que objetiva alcançar mudanças sociais por meio da luta política, em função de valores ideológicos compartilhados questionando uma determinada realidade que se caracteriza por algo impeditivo da realização dos anseios de tal movimento.
Com a luta dos movimentos sociais ampliou-se o leque de atores sociais e surgiram novas facetas à cidadania com ênfase na responsabilidade dos cidadãos na elaboração de Políticas Públicas, com espaços criados institucionalmente para esta parceria entre Estado e sociedade civil, como é o caso, por exemplo, dos conselhos gestores de políticas públicas[2]. “Novos e antigos atores sociais fixarão suas metas na conquista de espaços na sociedade política, especialmente nas parcerias que se abrem entre governo e sociedade civil organizada, por meio de Políticas Públicas” (GOHN, 2014, p. 58). E como afirma Antonio Lambertucci – então secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República na época do governo Lula: “[...] as contribuições dos movimentos e organizações sociais impactam as políticas públicas e são garantias de execução [...] Isto significa uma mudança na relação com a sociedade civil e um autêntico reconhecimento do papel das entidades” (2009, p. 72). Antonio Lambertucci chama atenção ainda para o fato de como tais organizações e movimentos sociais constituem espaços de participação em uma grande rede entre indivíduos sendo através destas redes que “[...] os atores sociais formam opinião, se expressam, fazem sua vontade ganhar poder coletivo e, assim, interferem nos destinos do país” (2009, p. 82).
Além disso, em tempos de tecnologia e cibercultura vale ressaltar também como nossa época é marcada pela comunicação em massa das redes sociais na internet, levando a ocorrência de marchas pelas ruas onde os manifestantes se mobilizam através de redes sociais, como o Movimento #VemPraRua ocorrido no Brasil em 2013 e outras manifestações ocorridas em vários países da Europa e da África[3]. Manifestações, marchas e ocupações que “[...] simbolizam uma nova forma de fazer política. Não a política partidária, oficial, mas a política no sentido dos gregos, do cidadão que se manifesta e discute na praça pública” (GOHN, 2014, p. 75). Estas novas formas de protestos com as novas TIC’s (Tecnologia de Informação e Comunicação) criaram o conceito de ciberativismo: uma forma de ativismo realizado através de tecnologias de informação e comunicação, principalmente através da internet. A utilização das informações por meio da Internet passou a ter maior visibilidade não só pelo baixo custo e eficácia na resposta a curto, médio e longo prazo pela comunidade virtual, como pela facilidade e velocidade com que as informações podem ir de um extremo a outro do planeta.
Um exemplo claro disto é por meio da Comunidade Avaaz.org: o mundo em ação www.avaaz.org/po/index.php. Uma comunidade de mobilização on-line que encoraja as pessoas a criarem suas próprias campanhas e Petições Públicas que permite as pessoas iniciarem campanhas ao redor do mundo, usando o ciberespaço.
NOTAVeja em nosso website a seção CiberDemocracia para aprofundar o debate sobre como a tecnologia tem influenciado hoje o Estado Democrático.Você também pode encontrar em nosso website um artigo que fala sobre Os mecanismos de participação da sociedade no Congresso Nacional através da internet, que destaca, entre outras coisas, o uso a internet acessando as plataformas e-democracia e e-cidadania do Congresso Nacional (respectivamente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal)
O que as marchas, manifestações, ocupações e protestos que ocorreram ao longo de 2011, 2012 e 2013 têm em comum: São articuladas via redes sociais, internet e celulares; são compostas por manifestantes que não tem necessariamente uma Ideologia Política (a adesão é a uma causa, ou mais de uma, e não à Ideologia de um grupo) e não pertencem a um grupo específico (político ou não) e por isso não tem ligação Política partidária (mesmo que entre seus manifestantes haja pessoas ligadas a algum grupo político); as manifestações ocorrem à margem não apenas de partidos mas também de sindicatos; os protestos têm grande visibilidade na mídia em função do grande número de contingente que consegue agrupar; a Democracia é um dos eixos articuladores das marchas, em seu sentido e exercício pleno; são espaços de aprendizagem que se produzem a partir de uma vivência e experiência, no sentido de uma educação não formal; contribuem para a construção de uma nova cultura política (GOHN, 2014, p. 74-76)
Para Maria Glória Gohn a cibercultura tem alterado as formas de mobilização social de várias maneiras, tanto no que diz respeito a “ação coletiva de movimentos alterglobalização” (GOHN, 2014, p. 19) que também é impulsionada pelas novas formas de comunicação e informação, quanto altera a forma de comunicação entre jovens manifestantes afirmando, inclusive, que “saber se comunicar on-line ganha status de ferramenta principal para articular as ações coletivas” (GOHN, 2014, p. 17). O desenvolvimento da internet tem alterado não apenas a forma de articulação dos protestos e movimentos sociais, como a própria concepção da democracia. “A Internet não permite somente comunicar mais, melhor e mais rápido; ela alarga formidavelmente o espaço público e transforma a própria natureza da democracia” (CARDON, 2012, p. 01). Além disso, “dominar códigos das novas tecnologias e participar das redes sociais passou a fazer parte do perfil desse ativista” (GOHN, 2014, p. 60).
Marchas, manifestações e ocupações na atualidade são promovidas por coletivos organizados que estruturam, convocam/convidam e organizam-se on-line, por meio das redes sociais [...] A sensibilização inicial é uma causa, vista como um problema social, como a corrupção de políticos, a ganância de banqueiros, o preconceito contra gays etc. (GOHN, 2014, p. 21 – grifos da autora).
A internet tem alterado a forma de articulação dos movimentos sociais e de protestos individuais ou mesmo coletivos, mas que não se caracterizam, necessariamente, como um movimento social, como é o caso da blogueira cubana Yoani Sanchez, responsável pela manutenção do blog Generacion Y e do site Wikileaks.org.
Yoani Sánchez é conhecida por seus artigos e críticas à situação social em Cuba do governo de Fidel Castro usando como um dos instrumentos de suas críticas o seu Blog. Há algumas controvérsias em torno da blogueira dependendo do ponto de vista com que se analisa a questão. Para alguns, Yoani é uma defensora da liberdade de expressão em um governo ditatorial, autoritário e repressivo. Para outros, ela não seria mais do que uma aliada dos E.U.A, suspeita de ligações com supostos agentes estrangeiros infiltrados em Cuba e com a CIA que o seu blog tem servido apenas para ataques contra o regime cubano. Qualquer que seja o caso, o fato é que a jornalista utiliza amplamente a rede mundial da internet para expor suas análises e críticas ao regime cubano, entre outras análises políticas e sociais.
Já o Wikileaks.org pode ser considerado como uma organização transnacional sem fins lucrativos que publica, em seu website, postagens de fontes anônimas, documentos, fotos e informações confidenciais, vazadas de governos ou empresas, sobre assuntos que podem ser considerados até mesmo de segredo e segurança nacional.
Ao longo do ano de 2010, WikiLeaks publicou grandes quantidades de documentos confidenciais do governo dos Estados Unidos, com forte repercussão mundial. A publicação de um vídeo de um ataque aéreo em Bagdá é uma das mais notáveis publicações do site. Seu fundador, Julian Assange, publicou livros como “Cypherpunks – Liberdade e o futuro da Internet”, onde acusa governos de usarem a internet com objetivos de manutenção do poder político e econômico das nações e “Wikileaks – A guerra de Julian Assange contra os segredos de Estado”.
Em todos estes casos,
[…] as novas mídias sociais, operadas on-line, com destaque para a mediação da internet, estão mudando a forma das pessoas se relacionarem, abrindo acesso a fontes de conhecimento e a formas de construir a Democracia, mas também fornecem todos os elementos para a construção de novas formas de Controle Social (GOHN, 2014, p. 50).
Referências Bibliográficas
ALBERTI, Verena; PEREIRA, Amilcar A. A defesa das cotas como estratégia política do movimento negro contemporâneo. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 37, p. 143-166, jan./jun. 2006. Acesso em 01/09/2015.
ARROYO, Miguel G. Educação e exclusão da cidadania. In: BUFFA, Ester et al. Educação e cidadania. Quem educa o cidadão? 5. ed. São Paulo: Cortez, 1995. p. 31-80.
AVRITZER, Leonardo. Modelos de Deliberação Democrática: uma análise do orçamento participativo no Brasil. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Democratizar a Democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
CARDON, Dominique. A democracia internet: promessas e limites. Tradução de Nina Vincent e Tiago Coutinho. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.
CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
EVANGELISTA, Carlos Augusto Valle. Direitos Indígenas: o debate na Constituinte de 1988. Dissertação (Mestrado em História Social). Programa de Pós-Graduação em História Social. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ/IFICS, 2004. Acessado em 02/09/2015.
FERREIRA, Delson. Manual de Sociologia – Dos Clássicos à Sociedade da Informação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
FRANK, André Gunder; FUENTES, Marta. Dez teses acerca dos movimentos sociais. Lua Nova, São Paulo, nº 17, junho 1989. Acesso em 01/09/2015.
GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e gestão pública. Revista Ciências Sociais Unisinos, Rio Grande do Sul, v. 42, n. 1, p. 5-11, jan/abr. 2006. Acesso em 01/09/2015.
____. Sociologia dos Movimentos Sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2014. (Questões da nossa época, 47).
____. Movimentos Sociais na Contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação, Minas Gerais, v.16, n. 47, p. 333-351, maio/ago. 2011. Acesso em 01/09/2015.
LAMBERTUCCI, Antonio Roberto. A participação social no governo Lula. In: AVRITZER, Leonardo (org.). Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009. (Coleção Democracia Participativa)
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria MS no 545 de 20/05/93. Norma Operacional Básica 01/93. Brasília, DF: MS, 1993.
RIBEIRO, Marlene. Educação para a cidadania: questão colocada pelos movimentos sociais. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, nº 2, p. 113-128, jul./dez., 2002. Acesso em 15/08/2015.
SCHERER-WARREN, Ilse. A política dos movimentos sociais para o mundo rural. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, vol. 15, nº 1, p. 5-22, 2007. Acesso em 15/08/2015.
____. Das mobilizações às redes de movimentos sociais. Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n. 1, p. 109-130, jan./abr. 2006. (DOSSIÊ: Movimentos Sociais). Acesso em 15/08/2015.
Para ter acesso ao DOSSIÊ acesse: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0102-699220060001&lng=en&nrm=iso
____. Redes de movimentos sociais. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2005.
____. Movimentos sociais no Brasil contemporâneo. História: Debates e Tendências, vol. 7, nº 1, p. 9-21, jan./jun. 2008. Acesso em 15/08/2015.
[1] Esta é a segunda, das “dez teses” que os autores pretendem expor em seu artigo.
[2] Para aprofundar o debate sobre o papel dos Movimentos Sociais nos Conselhos Gestores de Políticas Públicas, ver artigo nesta mesma seção.
[3] Para uma análise mais detalha sobre o papel das novas tecnologias de informação e comunicação em alguns movimentos como a “Primavera Árabe” (ocorrida em vários países entre os anos de 2010 a 2012), as marchas e ocupações dos “Indignados na Europa” (ocorridas em vários países europeus entre 2011 e 2012) e em outros movimentos como o do Anonymous e Wikileads, ver o livro de Maria Glória Gohn (2014).